Alguns bloggers de viagem partilharam connosco, na primeira pessoa, algumas das experiências gastronómicas mais diferentes que tiveram nas suas deambulações pelo mundo. Esta partilha resultou numa compilação fascinante de relatos sobre comida estranha, onde não faltam sabores, cores, texturas e muitas surpresas.
Da Europa a África, da Ásia à América do Sul, é normal encontrar pratos bem diferentes daquilo a que estamos habituados. Alguns deles requerem mesmo alguma coragem para fazermos o curto percurso que vai do prato até à boca.
Neste artigo, partilhamos experiências de viajantes amigos que, mais ou menos preparados para isso, decidiram embarcar nas mais diversas peripécias gastronómicas. Conheça-as e deixe-se arrepiar.
Comida estranha? Nem preciso de sair de Portugal
por Marlene Marques, autora do blog Marlene On The Move
É curioso que quando falamos de comidas e pratos estranhos começamos logo a pensar nas espetadas de insectos no Camboja ou no embrião de pato nas Filipinas.
A verdade é que pelas viagens que fiz até agora o meu palato ainda não se cruzou com uma iguaria demasiado fora do comum. Mas, também, para quê?! O meu país, Portugal, tem alguns dos pratos mais estranhos que conhecemos. E eu já devo ter provado quase todos!
Um exemplo são as Tripas à Moda do Porto, que não são mais nem menos que pedaços do estômago de vitela. A isso junto Ovos Mexidos Com Mioleira de Vaca; o Arroz de Cabidela e as Papas de Sarrabulho, tão negras e espessas do sangue que usam; os Caracóis, que não são mais do que lesmas (e eu adoro!); já para não falar nas extremidades do porco: orelhas, rabo e chispes na forma de Pezinhos de Coentrada!
Talvez a iguaria que me falte sejam os túbaros de porco… não sei como vou reagir à textura dos testículos de suínos, mas se surgir a oportunidade, não vou deixar passar!
Um pudim inglês muito especial
por Eneida Latham, autora do blog Londres para Principiantes
Começo confessando que, embora adore viajar e conhecer novas culturas, não me aventuro muito por comidas cujos ingredientes e mesmo aparência não me sejam muito familiares.
Por esse motivo, demorei muito tempo – anos até – para provar um dos ingredientes do tradicional café da manhã inglês: o black pudding.
O nome já engana, pois de “pudim” este alimento não tem nada! A cor preta também confere ao produto uma aparência muito pouco atraente…
Na verdade, black pudding é uma espécie de linguiça feita com o sangue do porco. No preparo, o sangue é misturado com gordura e aveia, além de algumas ervas e temperos.
Fazer linguiça com sangue é uma prática usual em diversas comunidades, em que se aproveita tudo o que o animal sacrificado puder oferecer para a alimentação humana. Assim, temos a morcilla na Espanha, o boudin noir na França e o chouriço no Brasil.
O black pudding inglês é assado ou frito antes de ser servido no English Breakfast. Ele é acompanhado de feijão assado, bacon, tomates, cogumelos, ovos, linguiças e pão frito. Uma refeição que fornece energia suficiente para um dia de trabalho pesado.
Quanto ao sabor, é realmente único. Devido à combinação de ingredientes, o gosto é suave e ligeiramente doce.
Vale a pena experimentar!
Leia mais sobre o tradicional English Breakfast.
Uma iguaria por terras de Angola
por Raquel Morgado, do blog 365 dias no mundo
Em 2016 vivíamos em Angola e eu dava aulas numa escola de saúde. Houve uma festa, e os angolanos levam o conceito de festa à letra. Há sempre comida, bebida, música e dança. Na sala havia também vários pratos típicos, como calulu e funge com muamba, e numa cuba estavam os famosos catatos.
Catato é uma lagarta de árvore que se come muito nos meios mais rurais acompanhado de funge, uma pasta de farinha de mandioca. Nunca tinha experimentado. Apesar de se venderem secos em supermercados, não há assim tanta gente que coma esta iguaria regularmente.
Ali estavam, refogados, e eu tinha alguma curiosidade. Perguntei aos meus colegas na mesa de professores se era um prato saboroso e se todos comiam. Vários dizem-me que é muito bom, outros contam que nunca experimentaram.
Decidi arriscar e experimentei. Quanto ao sabor, não sabem a nada, mas há quem diga que sabem a camarão (nem pensem). Achei que sabem ao próprio refogado ou molho que lhe ponham. Quanto à textura, o catato está cozinhado quando fica macio, mas mantém alguma “crocância”, por isso fica com alguma elasticidade.
Não é um prato que me tenha conquistado ou que volte a comer.
Doces imprevistos na China
por Rui Barbosa Batista, autor do blog Born Freee
Estou há três dias sem encontrar uma única pessoa que fale inglês. Mais do que mestre, sou um distinto doutorado na arte da mímica. E falo em bom português, só mesmo pela diversão, já que nenhum chinês me vai entender. O ‘desespero’ de não conseguir comunicar o que desejo – e muitas coisas serem entendidas precisamente ao contrário – já está num nível em que tudo o que é trágico já me diverte.
‘Enganaram-me’ com o bilhete de comboio – procuro uma aldeia matriarca, na qual as mulheres ditam TODAS as regras e exercem TODO o tipo de domínio sobre os homens – e, após viagem de umas 24 horas, dizem-me que o meu destino fica “umas cinco ou seis horas para trás”. Não agredi ninguém. Mantive o cadastro limpo. Só desejo mesmo uma cama que não abane e não tenha vizinhos a ressonar a poucos centímetros de mim.
Prevenido para as zonas rurais mais remotas, trago comigo um papel escrito em mandarim com uma nota simples: “Não como cão nem rato”. Dou-o a quem me serve. Que faz uma cara estranha, que não consigo descodificar. Entrego-me aos prazeres da sorte…
Até hoje não sei se era carne ou peixe. Ou simplesmente vegetais. Quem sabe algo sintético? Nunca comi algo com sabor parecido. Em textura que se desfaz com maior facilidade do que o meu palato deseja. Não foi mau, mas também esteve longe de ser bom. Apenas formulo um desejo: que não tenha sido um guisado misto com os animais que não pretendia comer. Bem-vindos aos doces imprevistos da milenar China…
Uma viagem pelos sabores do Vietname
por Inês Miranda, autora do blog Sempre Entre Viagens
A gastronomia é um dos aspetos culturais mais interessantes para descobrir em viagem. É a experiência social em redor duma mesa que mais facilmente nos liga mesmo a quem à partida pode parecer tão diferente, explorar em conjunto novos sabores, texturas e cores num prato de comida é uma das atividades que não devem perder onde quer que vão.
Há quem diga que a melhor comida do mundo é a portuguesa (com quem eu tendo a concordar), mas também já ouvi a mesma versão em relação à comida vietnamita, portanto a minha visita ao país não podia deixar escapar uma imersão profunda na sua cozinha tradicional. Durante os dias que passei por lá, tive a oportunidade de participar num food tour em Hanói – uma das experiências que mais recomendo.
O tour começou ao fim da tarde, e o guia foi-nos levando de boteco em boteco, no centro da cidade, para experimentar alguns dos pratos mais típicos da região. À primeira vista, a comida vietnamita tem imensos vegetais, arroz e noodles, pelo menos do ponto de vista de um ocidental, e enquanto nós usamos principalmente o salgado, aqui podem encontrar num mesmo prato o salgado, o doce, o ácido e o picante. Por vezes é demasiada informação para os nossos sentidos, mas vão sair de lá arrebatados.
Já não consigo reproduzir a grande maioria dos nomes de pratos que testei, para além dos famosos springrolls e da sopa de noodles Pho. Deixo-vos com um nome em mente: Bun bo nam bo. A mistura mais exótica (e impossível de descrever) que provei!
Uma sopa “diferente “, na Coreia do Norte
por David Samuel Santos, autor do blog Dobrar Fronteiras
Quando se viaja pela Coreia do Norte, rapidamente nos habituamos a mesas cheias de variadíssimos pratos. A carne é sobretudo de aves e de porco. Nas cidades costeiras como Wonsan ou Humhang, as algas e o peixe são ingredientes frequentes. O espectro de sabores vai das suaves saladas ao intenso, e omnipresente, kimchi. Este fermentado de couve bastante condimentado é, tal como o arroz, presença constante em todas as refeições dos coreanos. Em que quantidades chegam à mesa do comum norte coreano, regresso sem saber.
No roteiro de quem visita a Coreia do Norte está sempre a capital, Pyongyang, e Kaesong, cidade histórica a poucos quilómetros da Zona Desmilitarizada que divide as duas Coreias. É nesta última que temos a oportunidade de experimentar o Pansanggi, uma refeição de 11 pratos, sem contar com o arroz e a sopa. E é precisamente a sopa que torna esta refeição especial: sopa de cão.
Consumir carne de cão, de raças específicas, é culturalmente aceite nesta região do globo. Não só nas Coreias, como na vizinha China. Diz-se aqui que quem comer desta sopa antes do Inverno suportará melhor o frio. Tento encarar a experiência da mesma forma que o faço com um vitelo ou um leitão. Com uma textura próxima da da galinha e um travo semelhante ao borrego, a verdade é que custa na mesma a passar na garganta deste ocidental. Um golo de soju ajuda a empurrar.
Leia mais sobre esta viagem na Coreia do Norte.
Um gallo que não canta, na Costa Rica
por Ana CB, autora do blog Viajar porque Sim
A Costa Rica é um dos países mais fascinantes que já visitei, com uma beleza natural fabulosa e um povo descontraído e simpático. Sendo um país tropical, a comida é excelente e muito à base de frutas e vegetais. Um dos pratos mais populares e consumidos no país tem o nome peculiar de gallo pinto, e em si mesmo não tem nada de muito estranho: é simplesmente feijão com arroz, primeiro cozidos e depois refogados em óleo ou azeite, com temperos vários e molho inglês. O feijão pode ser preto ou encarnado, e o arroz é somente cozinhado com sal. A mistura final com os condimentos é que vai dar-lhe um sabor mais acentuado.
O gallo pinto é usado como acompanhamento em qualquer refeição, mas o facto mais curioso é que é habitualmente servido… ao pequeno-almoço! Normalmente é servido com patacones ou banana frita, ovos mexidos e nachos ou tortilhas de milho. Como se tudo isto não fosse suficientemente forte, a bebida eleita para acompanhar é o café, de que a Costa Rica é produtor.
Não deve haver muitos pequenos-almoços mais energéticos do que este!…
Comida estranha para todos os gostos
por João Leitão, autor do blog João Leitão Viagens
Não sou uma pessoa muito aventureira no aspecto culinário da viagem e talvez devido a ser vegetariano desde os 15 anos. Ou seja, aquilo que toda a gente encara como comidas estranhas está na sua grande maioria ligado a comida “animal”, como comer serpente nos EUA, escorpião no Vietname, porquinho-da-Índia ou jacaré no Peru, macaco no Sudão do Sul, cão na Coreia do Norte, baratas fritas na Tailândia, etc..
Assim, e dentro da simplicidade do que sempre como, posso dizer que o alimento com sabor mais estranho que experimentei foi mesmo leite de égua azedo no Cazaquistão, durante o tempo que estive a fazer voluntariado com crianças em 2004, em Almaty.
Porém, há várias comidas interessantes que tive oportunidade de provar:
- Luau em Tonga: guisado de vegetais feito em folha de inhame (taro);
- Sopa de tacacá na Amazónia do Brasil (versão sem camarão): caldo de tucupi com goma de mandioca e jambu (erva amazónica que provoca dormência na boca);
- Thiakry no Senegal: cuscuz de millet com iogurte e frutas;
- Pansangi na Coreia do Norte: mistura de pratos com vários tipos de vegetais, caldos, sopas, etc.;
- Muhammara na Síria: pasta feita de pimenta-malagueta, nozes, sumo de romã, azeite, pão, alho, sumo de limão, cominhos;
- Muamba nsusu na República Democrática do Congo: guisado de vegetais com pasta de amendoim e óleo de palma;
- Fufu na República Democrática do Congo: massa de mandioca servida como acompanhamento;
- Shojin Ryori no Japão: mistura de vários pratos de comida de devoção budista;
- Leite de camela na Mauritânia: leite batido com açúcar;
- Injera na Etiópia: grandes crepes feitos com farinha de tefe fermentada, acompanhado com vários tipos de wot (guisado de vegetais);
- Kuku-sabzi no Irão: ervas fritas em forma de tarte;
- Pierogi na Polónia: pastel cozido recheado com batata, queijo, cogumelos, etc.;
- Cuscuz em Marrocos: sêmola de trigo amassada que forma umas bolinhas que, após cozidas em vapor, se serve com vegetais guisados;
- Tamiya na Arábia Saudita: mistura de grão dentro de pão, molhos diversos, pickles e especiarias.
E muitos mais. A lista podia continuar e ficaria longa, aborrecida de ler…
Entre o fofo e o estaladiço, no Peru
por Ricardo e Diana, autores do blog Explorandar
Há mais de uma semana que viajávamos pelo Peru e os aromas e sabores peruanos já não eram uma novidade completa para nós.
Depois de um dia a navegar por um dos lagos mais altos do mundo – o Titicaca –, deambulámos pelo agitado centro da cidade de Puno. Ora aqui, ora ali, chamavam-nos para jantar, mas procurávamos algo diferente. O nosso poiso acabou por ser o IncaBar, um restaurante em cujo menu coexistem pizzas e comida tradicional.
A razão premeditada para estarmos ali era para provarmos, se a coragem não escapasse, o muito famoso cuy chactado.
O cuy – ou quwi, na antiga língua quéchua – é um prato tradicional muito apreciado nas zonas andinas peruanas. A etimologia da palavra chactado sugere que era cozinhado debaixo de uma pedra. Mas com ou sem pedra, a regra essencial é que seja frito e servido estaladiço, com legumes.
Não fossem os valores ocidentais ditarem que o estaladiço animal deve ser de estimação e não uma iguaria, e estaríamos bem. Mas encontrávamo-nos na dualidade entre fotos fofas da Internet e a vontade de afagar o estômago com um prato que não se encontra em qualquer lugar. Valores à parte e talheres em riste, atacámos a refeição assim que esta se estendeu à nossa frente. Até que nem é mau, algo entre coelho e galinha estaladiça. “Nunca pensámos cruzarmo-nos com um porquinho-da-índia tão saboroso”, refletimos em uníssono.
Espreite também o nosso Roteiro pela América do Sul: Peru, Bolívia e Chile.
Esperamos que tenha gostado de conhecer estas experiências tanto como nós. Há tanta comida estranha interessante para provar por esse mundo fora!
Nas suas viagens comeu outras comidas diferentes? Partilhe connosco a sua experiência, deixe-nos um comentário.
[Foto de capa: comida no Irão, por João Leitão]Kit do Viajante
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Bela coleção de experiências. Obrigada pelo convite! 🙂 Beijinhos
Que bom que gostaste, Inês. Obrigada pela partilha da tua experiência! Beijinhos
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